UM MORRER QUE VENHA DESSA VIDA
Oliveira
Partilho o texto de oração de ontem do Cardeal J. Tolentino de Mendonça, enviado pelo Ir. Manuel Silva
(AJOliveira)
É tão estranho que entre a avalancha de saberes que acumulamos uma vida inteira não esteja este: aprender a morrer. A contemporaneidade fez da morte o seu tabu, o mais temido e ocultado, e deixa-nos impreparados para enfrentar a naturalidade com que a vida a abraça. A morte surge como uma interrupção, uma dor para viver às escondidas. Sobre a morte o homem contemporâneo não sabe o que pensar. A morte, porém, é uma expressão da vida. A mais enigmática e impenetrável, certamente. Mas é no interior da vida que temos de compreendê-la. Colhendo o seguinte: ao recolocar-nos dramaticamente perante o mistério que somos, a morte como que resgata a própria existência. É que podemos levar uma vida inteira sem pensar no que ela é: esta surge-nos como um dado óbvio, esventrado de qualquer interrogação. E não é assim. A vida não é só este tráfico de verbos, esta marcha emparedada e sonâmbula, este vogar entre deve e haver, esta contabilidade sem metafísica nenhuma. A vida não é só isto. E a morte amplia-a.
Vale a pena rezar os versos de Rainer Maria Rilke:
«Senhor, dá a cada um a sua própria morte.
Um morrer que venha dessa vida
que reparte por nós amor, sentido e aflição.
Porque nós somos apenas a casca e a folha
A grande morte, que cada um traz em si,
é o fruto à volta do qual tudo gira.»
Cardeal J. Tolentino de Mendonça
2.11.2020