Rezar a pequena música do Outono
Oliveira
(Partilho o texto da oração de ontem do Cardeal J. Tolentino de Mendonça, enviado pelo Ir. Manuel Silva)
(AJOliveira)
Há uma surpresa que nos espera quando partimos em busca da etimologia da palavra “Outono”. Não a encontramos ancorada a qualquer ideia de declínio ou rendição, como provavelmente nos habituámos a pensar. Não é a renúncia resignada que nos revela a sua essência, nem a melancolia de uma qualquer despedida é a sua voz. Albert Camus escreveu, com delicadeza e desassombro, sobre o seu significado: “O Outono é uma segunda primavera”. Acrescentando a justificação seguinte: “nessa estação, cada folha se torna uma flor”.
De facto, o termo latino autumnus descreve isso: um tempo de crescimento, uma época propícia à abundância e à maturação, uma esplêndida cartografia (de cromatismos, de formas naturais, de odores...) capaz de nos inspirar na aventura sempre recomeçada de viver. No Outono, assistimos à exposição que a natureza faz das suas metamorfoses, expressando nessa dança de cambiantes o seu indómito desejo de existir. Esse espetáculo da transformação dialoga com as mudanças que nós próprios experimentamos e que nem sempre sabemos conduzir. Para sermos os mesmos, para aprofundarmos aquilo que somos, temos de mudar muitas vezes. O Outono – esse laboratório da vida táctil - exorta-nos e consola-nos. Não é por acaso que o símbolo do outono é uma cornucópia transbordante de frutos de toda a espécie.
Recordo aquilo que a escritora Marguerite Yourcenar contou, de como foi fundamental para ela a lição do jardineiro que lhe fez entender que somente no Outono nos apercebemos da verdadeira cor da vida. A cor não é a pele que envolve a superfície, mas é a lenta expressão de uma verdade interior. O Outono é um convite à sua contemplação. Mas para isso precisamos de reencontrar o silêncio no templo do nosso coração. Precisamos de colocar um casaco, as velhas botas nos pés e sair, sem esquecer a importância de fazer paragens, uma pausa orante que nos ajude a descobrir sob a paisagem coberta de folhas o pulsar intenso da vida como Deus deseja que a escutemos.
C. J. Tolentino de Mendonça
26.10.2020