NOVO ENFOQUE NO MOLDAR DA MORALIDADE
Oliveira
Pelo que contém de muito actual e oportuno, a COPAAEC propõe para leitura e reflexão mais um artigo do jornalista A. Cunha Justo. Oportuno e conveniente, apesar de tudo…
(A. G. Pires)
Velho Adão ao encontro do Novo Adão
O Papa Francisco ao viabilizar a bênção a pessoas em situações irregulares dá início a uma teologia moral mais virada para a misericórdia e para a graça do que para o pecado. A bênção de homossexuais e a reintegração de divorciados na Igreja é o sinal de uma mudança de perspectiva moral com ênfase na compaixão, acolhimento e encontro, em vez da ênfase de tipo exclusivo na condenação e na culpa.
O Santo Padre, ao assinar o documento do Dicastério para a Doutrina da Fé, Fiducia supplicans (1), veio provocar mais ondas num oceano já muito agitado no Caminho Sinodal da Igreja! Isto levou o Papa, no passado 13.01, a explicar que na Igreja Católica se abençoam pessoas e não o pecado (2), quando falava a 800 padres da diocese de Roma...
A nova abordagem pastoral iniciada pelo Santo Padre não implica uma mudança nos ensinamentos fundamentais da Igreja Católica sobre a moralidade, mas sim uma ênfase diferente na aplicação desses princípios à vida cotidiana e às situações específicas. O Papa procura abordar as pessoas com compreensão e cuidado pastoral, numa atitude de encontro pessoal, reconhecendo a complexidade das situações individuais. O facto de sermos seres condicionados, não 100% livres, condiciona também as avaliações morais e de valores. Em questões de moral, no âmbito católico, “a consciência é o primeiro de todos os vigários de Cristo” (4) ... A Igreja na qualidade de comunidade religiosa afecta a pessoa inteira com corpo, psique, alma e espírito; por isso, e devido à sua missão, será de sua natureza ir ao encontro da pessoa e embarcar com ela a partir do lugar onde esta se encontra... Com isto a Igreja não subestima a sua missão de apelar à responsabilidade com que o homem deve usar a sua liberdade no sentido do bem corporal e espiritual.
Daí a necessidade de integrar na visão humana a “Felix Culpa” (como refere Sto. Agostinho, o pecado de Adão e Eva possibilitou o anseio à perfeição que culmina na vinda do segundo Adão); no âmbito das possibilidades, o erro de Adão inerente ao ser humano e à instituição, que se repete nas biografias humanas e nas instituições pode também ele tornar-se em mal menor como factor de desenvolvimento; de facto também ele possibilitou tornar visível na História Humana as pegadas da memória cristã (a Igreja) e desenvolve na pessoa humana o desejo de se aperfeiçoar e crescer. A nível sociológico e histórico se não tivesse havido o momento da culpa assumida exponencialmente a nível histórico no imperador Constantino e no movimento das cruzadas, hoje o Cristianismo estaria apenas presente em grupos de vida sem ter tido a possibilidade de humanizar institucionalmente a civilização ocidental. A Graça acontece a nível de relacionamento, de relacionamento pessoal e uma bênção não se fixa na forma do relacionamento porque esta é transcendida na ligação pessoal intrínseca que possibilita a relação de amor pessoal e o vínculo entre dois...
A “bênção pastoral” de pessoas a viver em situações irregulares é testemunho de um amor, não apenas carnal; ela aponta para a relação humana integral de que faz parte essencial a dimensão espiritual...
Para nos entendermos não chega fixar-nos numa forma de linguagem puramente racionalista e masculina. A linguagem poética é a forma mais adequada para se falar do amor e para se falar de Deus e da vida; ela tem um caracter mais criativo, mais feminino! O símbolo e o mito apontam para uma realidade superior à expressa na linguagem e no texto...
Jesus Cristo não se reduz à doutrina nem ao texto, ele é pessoa, o evento humano-divino, o acontecer do “tempo Cairos” (o presente eterno) a resgatar o tempo Cronos (do calendário) na pessoa e na sociedade...
A acentuação pastoral no amor (sinal de uma realidade espiritual) torna-se numa chamada optimista a não nos fixarmos moral e mentalmente apenas no modelo luz-treva que pela criação nos é dado viver e adverte-nos a temperar a maneira de ver maniqueísta: um modo de vida mental-político-religioso-social demasiadamente centrado na dualidade (oposição luz-treva) que estamos chamados a ir superando, muito embora partindo da situação existencial de carência....
A Conferencia Episcopal Portuguesa “reconhece o acolhimento de todos na Igreja e manifesta a plena comunhão dos bispos portugueses com o Santo Padre”.
António da Cunha Duarte Justo
Teólogo e Pedagogo
Texto completo e notas em Pegadas do Tempo: https://antonio-justo.eu/?p=8955