COMPRA E VENDA
Oliveira
Embora publicado no jornal digital «Sete Margens» vale a pena reproduzir mais este artigo do Dr. Pedro Vaz Patto no Blog da Copaaec. Oferecemos, assim, aos nossos associados e leitores amigos, assunto de reflexão.
A. G. Pires
O Salon Désir d´Enfant, cuja segunda edição se realizou em Paris no fim de semana de 5 e 6 de Setembro, faz com que nos venha à memória o célebre romance distópico de Aldous Huxley Admirável Mundo Novo. Trata-se de uma verdadeira feira comercial de promoção de várias formas de procriação artificial. Empresas de maternidade de substituição de vários países aí publicitam os seus serviços, com testemunhos de quem a ela recorreu, como “cliente” ou como “prestadora de serviços”. Bancos de gâmetas oferecem aos clientes a possibilidade de escolha desses gâmetas de acordo com características físicas, étnicas ou nível de estudos do “fornecedor” ou “fornecedora” (não do “dador” ou “dadora”, porque se trata de uma venda). Uma empresa especializada no transporte internacional de gâmetas, e também de embriões, também aí está presente. A parentalidade torna-se, assim, um negócio, em que se pretende satisfazer os desejos dos clientes quanto às características do “produto” adquirido.
Algumas das práticas publicitadas neste salão/feira são proibidas em França (embora não o sejam noutros países). Uma controversa lei de bioética aí recentemente aprovada, que, entre várias inovações muito contestadas (também pelos bispos franceses), veio legalizar a procriação medicamente assistida “sem pai” (ou seja, requerida por mulheres celibatárias ou em união homossexual, o que a legislação portuguesa também admite), não chegou ao ponto de legalizar a maternidade de substituição (o que a legislação portuguesa admite apenas num âmbito não comercial), apresentada como “linha vermelha” a não transpor, porque tida por atentatória da dignidade de mulheres particularmente vulneráveis. São também mulheres particularmente vulneráveis as que se sujeitam à venda de ovócitos, prática proibida em França e noutros países. Já se disse, a propósito da maternidade de substituição e da venda de ovócitos e dessas mulheres particularmente vulneráveis, que não se trata, num e noutro caso, de um acto livre ou de generosidade, mas de um acto de desespero. Mas no Salon Désir d^Enfant, são abertamente publicitadas tais práticas comerciais, que supostamente serão efectivadas noutros países.
Este evento suscitou protestos de organizações católicas e feministas, que não deixaram de invocar a proibição da maternidade de substituição pela legislação francesa, dirigindo-se a responsáveis do Governo. No entanto, da parte deste não houve qualquer proibição, ou sequer uma qualquer declaração de condenação da iniciativa.
Para evitar problemas nesse plano legal, a organização do salão/feira proíbe a celebração de quaisquer contratos na ocasião, sendo eles celebrados noutros países. Na ocasião, fornecem-se apenas informações, que também envolvem os preços dos serviços publicitados (preços em geral bastante elevados). Ainda que essa proibição de celebração de contratos seja respeitada (o que poderá ser duvidoso), a simples publicidade contraria claramente a proibição de práticas como a da maternidade de substituição.
O que revela este Salon Désir d´Enfant são as consequências de uma postura redução do filho a um objeto de desejo, a reivindicar e a manipular, mais do que um dom a acolher incondicionalmente. Sempre que permitimos um reflexo dessa postura de redução de um filho a objeto de um desejo, como já sucede nalguns aspectos da legislação portuguesa sobre procriação medicamente assistida (a inseminação post mortem, por exemplo, recentemente aprovada), estamos a abrir o caminho para passos sucessivos, como os que se revelam neste salão /feira que nos faz recordar o Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley.
Pedro Vaz Patto