A ECOLOGIA HUMANA E O APREÇO PELO CORPO
Oliveira
Com a devida vénia, transcrevemos para os leitores do nosso Blog o artigo que segue, do Dr. Pedro Vaz Patto que explicitamente o partilhou connosco.
(A. G. Pires)
O corpo é uma dimensão intrínseca da pessoa, não um acessório de que possamos libertar-nos ou que possa ser substituído. Ninguém nasce no corpo errado e ninguém pode mudar de corpo como quem muda de casaco. Não temos um corpo, somos um corpo.
Sobre temáticas ligadas à ecologia e ao “cuidado da casa comum”, muito tem dito o Papa Francisco, sobretudo a partir da sua encíclica Laudato Sì, e o que tem dito tem encontrado boa adesão dentro e fora da Igreja Católica.
Mas há uma dimensão do seu magistério a que tem sido dada pouca atenção. É a que se refere à chamada “ecologia humana”, que vem na linha do que já haviam ensinado os seus antecessores Bento XVI e São João Paulo II. Trata-se do respeito que é devido àquela ordem e harmonia presentes na Criação (reflexo da sabedoria, bondade e beleza do Criador) e que não se restringem ao ambiente físico, mas estão presentes de modo particular na pessoa humana, no seu corpo, na sexualidade humana e nas relações familiares.
Sobre a “ecologia humana”, afirma o Papa Francisco na encíclica Laudato Sì (n. 155):
«A ecologia humana implica também algo de muito profundo que é indispensável para se poder criar um ambiente mais dignificante: a relação necessária da vida do ser humano com a lei moral inscrita na sua própria natureza. Bento XVI dizia que existe uma “ecologia do homem”, porque “também o homem possui uma natureza, que deve respeitar e não pode manipular como lhe apetece”. Nesta linha, é preciso reconhecer que o nosso corpo nos põe em relação direta com o meio ambiente e com os outros seres vivos. A aceitação do próprio corpo como dom de Deus é necessária para acolher e aceitar o mundo inteiro como dom do Pai e casa comum; pelo contrário, uma lógica de domínio sobre o próprio corpo transforma-se numa lógica, por vezes subtil, de domínio sobre a criação. Aprender a aceitar o próprio corpo, a cuidar dele e a respeitar os seus significados é essencial para uma verdadeira ecologia humana. Também é necessário ter apreço pelo próprio corpo na sua feminilidade ou masculinidade, para se poder reconhecer a si mesmo no encontro com o outro que é diferente. Assim, é possível aceitar com alegria o dom específico do outro ou da outra, obra de Deus criador, e enriquecer-se mutuamente.»
Esta noção de “ecologia humana” leva-nos a valorizar o nosso corpo e a valorizá-lo na sua masculinidade ou feminilidade. O corpo é uma dimensão intrínseca da pessoa, não um acessório de que possamos libertar-nos ou que possa ser substituído. Ninguém nasce no corpo errado e ninguém pode mudar de corpo como quem muda de casaco. Não temos um corpo, somos um corpo.
E dimensão intrínseca do corpo é a sua masculinidade ou feminilidade, que também reflecte a sabedoria, bondade e beleza de Deus: uma diferença primordial que apela à unidade, ao enriquecimento recíproco e à fecundidade.
Os dramas de quem não sente o seu corpo, masculino ou feminino, como uma riqueza e um dom de Deus, quem encara o seu corpo com hostilidade, não podem ser ignorados ou desprezados. Mas a resposta a esse drama não pode ser a da ideologia do género, que parte de pressupostos contrários à realidade mais evidente: como se à dimensão biológica do sexo pudesse sobrepor-se a do género autodeterminado, como se o sexo fosse atribuído à nascença arbitrariamente, como se fosse possível (através de intervenções hormonais ou cirúrgicas que mutilam corpos saudáveis) mudar de sexo (esquecendo, desde logo, a sua dimensão genética). Alimentar esse tipo de ilusões não pode ser resposta e traz consequências nefastas de que já se aperceberam os primeiros países a seguir esse caminho (como os países nórdicos ou o Reino Unido).
Mas parece que é isso que querem os nossos legisladores.
Através da aprovação do Decreto nº 127/XV (sobre a implementação nas escolas da Lei n.º 38/2018, relativa à autodeterminação da identidade de género), cuja promulgação foi sensatamente recusada pelo Presidente da República, pretendia-se que todo o sistema escolar, público e privado, se guiasse pela ideologia do género e em tudo facilitasse a chamada “transição de género” de crianças e adolescentes. Contra isso muitos se pronunciaram, entre eles as associações de médicos e juristas católicos em comunicado conjunto.
Através da Lei n.º 15/2024, de 29 de janeiro, esta já promulgada, e da alteração ao Código Penal que dela decorre, poderá ser criminalizada toda e qualquer ajuda que leve crianças e adolescentes que sofram de disforia de género a alterar a sua suposta “identidade de género” diferente do seu sexo (ao abrigo do nº, 1 do artigo 176.º-C desse Código), mas já não quando se trate de afirmar essa suposta identidade (n. º 2 desse artigo). O que significa que poderá ser punido quem queira ajudar uma pessoa a superar esse drama “reconciliando-se” com o seu corpo, o corpo que será sempre o seu, ou seja, “reconciliando-se” consigo própria. Quem queira, seguindo a lição do Papa Francisco, ajudá-la a «aceitar o seu corpo como dom de Deus» e a «ter apreço pelo seu corpo na sua feminilidade e masculinidade».
Pedro Vaz Patto
Presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz